quarta-feira, 17 de março de 2010

ASPECTOS LEGAIS DA "BARRIGA DE ALUGUEL"


As dificuldades e impossibilidades humanas no ato da reprodução há várias décadas são objetos de constantes estudos, visando a vitória da ciência frente a tais realidades. Essa intervenção humana nos processos reprodutivos e a celeridade da evolução do conhecimento na área da reprodução humana exigem permanente e severa vigilância, impondo muitas questões ao campo jurídico, tais como a licitude dos meios e dos fins que caracterizam suas aplicações.

Diante da importância da maternidade como marco diferencial na vida da mulher, consagrando a abrangência do papel feminino na sociedade, a realidade da esterilidade não é aceita facilmente, razão pela qual, diversas mulheres e casais se socorrem dos métodos de reprodução medicamente assistida, dentre as quais ganha relevância a maternidade de substituição, vulgarmente conhecida “barriga de aluguel”.

Na “barriga de aluguel” a maternidade é dividida, sendo uma opção muito utilizada por mães genéticas que, impossibilitadas de gerar e gestacionar seu filho, recorrem a outra mulher, mãe gestacional, para que esta concretize a gravidez impossível daquela, entregando a criança após o nascimento, assumindo a fornecedora do óvulo a condição de mãe.Atualmente no Brasil, como não há regulamentação jurídica, as regras para utilização da “barriga de aluguel” são ditadas com base na Resolução n.° 1.358/92, do Conselho Federal de Medicina, porém tal norma apenas dispõe regras de caráter facultativo, por não ter força de lei, diante de seu caráter meramente administrativo.

Ressalte-se que a Constituição Brasileira de 1988 não expressa explicitamente sobre direito de se ter filhos, porém, em seu artigo 226, § 7º, contempla o direito de planejamento familiar, alcançando as situações de concepção e contracepção, ambos norteado pela autonomia do casal, competindo ao Estado o dever de proporcionar os recursos necessários para a educação e informação sobre os métodos existentes e sua eficácia.

De acordo com a Resolução n.° 1.358/92, do CFM, a utilização da gravidez de substituição pode ocorrer desde que haja impedimento físico ou clínico para que a mulher, doadora genética, possa levar a termo uma gravidez, estando tal prática restrita ao ambiente familiar, com o objetivo de impedir qualquer caráter lucrativo ou comercial na relação estabelecida.

Necessário que se frise a pertinência da exigência do vínculo familiar para o empréstimo do útero, bem como a vedação ao seu caráter lucrativo, haja vista o temor de que se aumente a demanda por mães de aluguel, ocasionando a exploração de mulheres pobres, bem como as do terceiro mundo, caracterizando uma atitude imoral e ilegal.

Por outro lado, tem-se a realidade de que atualmente, com o acesso a diversos meios de comunicação, principalmente a Internet, muitas mães genéticas se utilizam da “barriga de aluguel” de forma diversa da prevista pela Resolução do CFM, procurando mulheres alheias ao seu círculo familiar, algumas vezes completas desconhecidas, celebrando com essas “mães substitutas” um acordo ou contrato para que essas viabilizem a gestação de seu filho, entregando-o imediatamente após o parto.

Nesse caso, deve-se registrar a impossibilidade de se assimilar a noção de contrato comercial ao contrato de aluguel envolvendo a gestação de uma criança com posterior entrega, tendo em vista que o ordenamento jurídico brasileiro entende que pessoas presentes ou futuras não podem ser objeto de contrato.

Inobstante o fato de que tal possibilidade representaria vantagens para as “mães contratantes”, com a garantia da entrega da criança, deve-se considerar que a possibilidade de um contrato poderia desrespeitar os interesses do nascituro, bem como, prejudicaria o aspecto psicológico das mães envolvidas.

Assim, as mulheres que recorrem à técnica da “barriga de aluguel” de forma clandestina, ou seja, oferecendo vantagem pecuniária à futura mãe substituta, não possuem qualquer segurança jurídica, estando sujeitas às intempéries que porventura poderão surgir após o nascimento da criança.Também é necessário ressaltar a indispensável do consentimento da figura paterna que esteja envolvido na maternidade sub-rogada.

Outra questão que se levanta diz respeito à filiação da criança gerada através de “barriga de aluguel”. Nesse ponto, tem-se que, para nosso ordenamento jurídico, a filiação pode ser estabelecida pelo parentesco por consangüinidade (natural), que corresponde ao vínculo entre mãe/pai ascendente e filho descendente. Como também pode ser estabelecida por parentesco civil, num processo de adoção.

Dessa forma dispõe o art. 1593 do CC. “O parentesco é natural ou civil, conforme resulte de consangüinidade ou de outra origem”. Assim, a prática da “barriga de aluguel” representa uma desestruturação dos conceitos de filiação, porém, não obstante a falta de previsão, quanto à filiação nos casos de maternidade de substituição.

Para se definir o direito à filiação é oportuno lembrar que atualmente a doutrina e a jurisprudência aplicam na determinação da maternidade e paternidade, além da filiação biológica, a filiação afetiva ou socioafetiva.Assim, para determinação da filiação em caso de “barriga de aluguel” é necessária uma maior valoração dos laços afetivos, bem como os direitos da criança, não se levando em consideração aspectos biológicos, gestacionais e afetivos ou até mesmos legais. Desse modo, trata-se de questão de imensa subjetividade a determinação da maternidade a uma das mães, seja a biológica que espera esse filho até mesmo antes da concepção, seja a mãe gestacional, que desenvolve uma ligação única de afeto com o bebê em seu ventre.

Nesse sentido deve-se buscar em tais decisões o interesse do menor, não competindo escolher, unicamente, quem tem o direito de ser mãe, mas, sobretudo escolher a maternidade que melhor responderá as necessidades primordiais da criança.

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